Sobre a neutralização do horrível

Sonho CCXXI



Tínhamos ido fazer um passeio à beira-mar, mas o caminho estava cheio de legumes.
 
Batatas e cebolas brotavam da terra e, aqui e ali, viam-se as folhas dos alhos franceses e a rama dos nabos.
 
Eu olhava para os legumes sujos e manchados de negro com um certo repúdio, e dei por mim a pensar:
 
«Mesmo tu não escapas à futilidade e só gostas de coisas lavadas e brilhantes, bem ordenadas em prateleiras luminosas!...»
 
Observava com profunda tristeza quão tão distante estava da terra.
 
Adiante, duas senhoras velhinhas estavam a fazer um pic-nic debaixo de um guarda-sol.
 
«Bela ideia!...» - pensava eu.
 
E no final do caminho à beira-mar podia ver-se uma praia que tinha sido inteiramente remodelada pelas autoridades locais.
 
A intervalos regulares erguiam-se pequenas colunas numa imitação de mármore, semelhantes a pedestais, e, no topo de cada coluna, estava uma mão de plástico com os dedos abertos, iluminada de amarelo fluorescente.
 
Era francamente mau, totalmente inútil, e podia calcular-se que fora gasta uma verdadeira fortuna naquela iluminação de praia. 
 
«Como é que as pessoas podem estender-se aqui e gozar o sol, como se nada fosse?»
 
Parece que a fealdade e o mau gosto, quando inoculados em pequenas doses e de um modo progressivo e constante, criam uma tal habituação, diríamos mesmo tolerância, tal como acontece no abuso de álcool ou drogas (e no sofrimento em geral), isto é, produzem uma tal insensibilidade que acabam por desembocar na indiferença.